Lenda da alavanca do ouro

No começo tudo era ouro.
Dizem os nossos avós que as panelas onde se cozinhavam o feijão e o arroz eram feitas de ouro, preparadas de tal forma que resistiam ao fogo lento ou forte. Os espetos, onde se colocava a carne no braseiro, também eram de ouro reluzente, lançando chispas, quando as brasas levantavam chamas, chegando a doer na vista, de tão brilhantes. Era uma fortuna tamanha desse precioso metal que até ninguém ligava muito importância a ele. Não ligava é conversa fiada. O homem, quanto mais tem, mais quer. Deu-se a escavar e a remexer a terra por todos os cantos. Por isso que até hoje as ruas de nossa cidade são irregulares e tortas. Onde houvesse uma boa porção de ouro, ele finca estacas para construir seu rancho; vinham outros com a mesma ambição e se punham a cata os granetes nesse mesmo lugar e logo formava uma ruela, um aglomerado de pessoas.
Foi quando alguém topou, no sopé do outeiro do Rosário, com um objeto danado de reluzente, como se fora cravado no fundo da lapa, justamente onde se abria uma fundo covão. Era um escravo dono daquele achado e por lei de servidão tinha de comunicar primeiro ao patrão a sua descoberta.
A boca da noite já havia engolido quase toda a vila com as trevas muito densas.
Uma ou outra luz dos candeeiros que vinham das casas pareciam pequeninos pirilampos, nem chegavam para dar visão. Seria melhor aguardar a aurora para levar a nova ao amo.
Mas, … quem disse que é só mulher que não guarda segredos? O homem é a mesmíssima coisa.
O negro da mina não podia dormir, rolando-se ao lado da companheira, cativa como ele.
– Que é que o nego tem? Se é espírito, vô fazê chá de urtiga brava prá nego bebê.
– Num é nada, não!
E o negro foi desabafando, diante da figura aparvalhada da mulher, o que vira com os próprio olhos, coisa tão linda assim! Dito isto, como se transmitisse a preocupação que lhe causava a descoberta, dormiu profundamente, enquanto sua mulher, mal o vira ressonar, correu a contar soubera, indo às tantas acordar outras companheiras de servidão.
Pela manhã todos já sabiam da novidade e corriam as mis disparadas versões.
Seria a mãe de ouro, ou mãe da terra, uma bola reluzente que de vez em quando saía urrando do meio do chão e, voando como um foguete, ia-se encrustar noutro lugar do chão, abrindo aí um buraco imenso e sumindo-se nas profundezas da terra? Diziam que essa mudança de mãe da terra sempre anunciava um acontecimento qualquer.
E na maioria das vezes tratava-se de desgraça… Mãe da terra ou não, a coisa estava lá, luzidia e da cor do sol, maravilhando os que dela se aproximavam.
Só que em vez de formato de bola, tinha o feitio esguio de uma alavanca. Seria uma alavanca de ouro, grudada à rocha com tal firmeza que multidão de escravos empenados a cavar em derredor para retirá-la na conseguiam. Pois, novamente deixando apenas perceber alguns centímetros fora da cavidade.
Um grotão imenso já se formara sem que a alavanca se dispusesse a aparecer sequer uma polegada a mais. Os feitores, de chibata em punho não davam trégua aos escravos que não podiam parar nem para limpar o suor que gotejava de suas gafurinhas. Foi quando um velho andrajoso se aproximou de um dos cavadores e lhe pediu água. Temeroso dos golpes da chibata, o escravo mandou-lhe adiante. Mas outro escravo de coração bondoso, menosprezando as chibatas, correu à Praínha, límpido córrego que passava nas proximidades e com o seu copo de couro, encheu-o, dando de beber ao velho sequioso.
– Eu o abençôo em nome de Deus Pai. Escute bem, meu filho, quando a terra gemer três vezes, você trate de subir fora deste buracão e corra para bem longe. Depois você verá. Dito e feito. Passados alguns dias, já haviam solapado a gruta a mais não poder, no delírio de desenterrar a alavanca; e esta, sempre fugia, se aprofundava cada vez mais na terra, acenando o ouro reluzente e nunca visto de que era feita a centenas de ambiciosos que lá meteram os seus servos, família e todos aqueles que tivessem mãos para cavar.
Foi quando a terra tremeu e urrou pela primeira vez, apavorando os que a ouviram.
Um segundo tremor e um ruído estranho, como a voz da terra quando se abre em chagas de fendas profundas, se fez ouvir, seguido rapidamente de outro abalo e outro gemido mais profundo que anunciava o desmoronamento completo das paredes da cavidade, aprofundada muitos metros terra adentro.
Uma densa nuvem de poeira cobriu pessoas, ferramentas dos trabalhadores, feitores com o seu chicote de couro cru e ainda curiosos que se aproximaram da cavidade.
Esta virou um monte com a terra que se esboroou, tragando os que nela mourejavam. Não escapou ninguém para contar. Minto. Só escapou o pobre mas bondoso escravo que dera de beber ao pobre andrajoso, mitigando-lhe a sede.
Este, outro não era, senão o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, que viera à terra para experimentar o coração humano, descobrindo assim onde havia maldade e ambição e onde se alojava a doçura e bondade.

(Versão popular. Contada em verso pelo Arcebispo D. Aquino Corrêa)

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