Lenda da Poaia

A região do Barra dos Bugres sempre foi maior produtora da Ipecacuanha (Ipeca) ou Poaia, rubiácea preciosa que se encontra nessa região chamada Guaraés.
Dizem que a sua descoberta se deve a um cão que acompanhava uma tropa bororó, que, toda vez que era atacado do estômago, vômitos, etc. embrenhava-se na mata, catava as raízes da planta e as comia. O vômito limpava-lhe o estômago e ele se tornava sadio e lépido como antes.
Durante e após as cheias dos rios, era comum as águas se tornarem lamacentas, turvas e causarem mal ao estômago e intestino de quem as sorvia.
O pajé bororó distribuiu a planta para a tribo que, desde então, desse modo se livrou dos males de estômago e dos intestinos, causados pela enxurrada.
As propriedades da poaia foram logo estudadas nos Laboratórios da Inglaterra e França; e muitas toneladas, em sacolas enormes de lona contendo essa planta, foram para lá remetidas. Estas sacolas foram substituídas, mais tarde por sacolas de algodão ou aniagem.
O caule desta planta tem uma parte subterrânea e a outra se eleva, coisa de palmo e meio; pequeninas flores se transformam em minúsculos frutos roxos de sabor adocicado e produzem vômitos a sua ingestão.
Tem como princípio ativo a emetina, mas, a sua raiz contém: cera, goma, matéria gorda, amido, indícios de ácido tânico e contém outras propriedades medicinais. É uma planta poderosa.
E, como não poderá deixar de ser, atraia a cobiça daqueles que desejavam fazer fortuna rápido.
Isto aconteceu no começo do século. A ovelha negra de uma família de almirante, e de generais, pertencentes à melhor sociedade do Rio de Janeiro, veio dar com os costados em Cuiabá, no posto de Cadete.
Diga-se de passagem que este posto, agraciava o vale investido com um bom vencimento e as regalias de um alferes ou de primeiro tenente. Estas regalias se equiparavam às de qualquer oficial de carreira.
A notícia de diamantes e ouro à flor da terra e o vedetismo da ipeca na Europa, com suas evidentes propriedades medicinais, chegaram aos ouvidos do nosso militar, doido por adquirir fortuna fácil.
Logo ao chegar a Cuiabá, tomou-se de encantos por uma menina-moça (11 anos e meio); mais menina que moça. Casaram. O nosso herói comprou uma mula.
Munia-se de um sapicuá de matula: paçoca de carne seca com farinha; bananas.
Acomodou a mulher na garupa e zarpou para a Mata da Poaia.
Inexperiente da vida sertaneja, a viagem lhes tornou fascinante pelas surpresas do inesperado. Mas, penosa também pelas surpresas da vida da mata.
Os pios dolentes da jaó, foram tomados como apelos plangentes de almas penadas: o que os fez, muitas vezes, acelerar a montaria. Ainda não portavam sequer, um cantil com água. Acossados pela sede, foram beber à porta de um rancho. Ali os receberam pessoas com orelhas crescidas, nariz ferido e pés escalavrados. Eram leprosos.
Agradeceram, desculparam-se pelo equívoco e foram alojar-se em plena mata.
Após muitos percalços chegaram a Brotas. Arrumar pequena expedição para desbravar a mata, não foi difícil. Mas, nosso herói ignorava completamente a lei da selva.
Tudo se faz, porém com a devia licença das tribos adjacentes. Por isso ou por falta deste entendimento, quando voltaram ao acampamento, encontraram uma flecha fincada à porta do rancho. Sinal de que os índios estavam muitos zangados, por alguma grave infração.
O nosso cadete não tomou conhecimento disto. E, no dia seguinte, ao retornarem das explorações, encontraram uma segunda flecha fincada mais próxima ao rancho. Sinal indiscutível de um próximo assalto dos índios que não fazem uma terceiro aviso.
Nosso herói e jovem esposa, abandonaram a colheita da poaia e desceram o rio no maior silêncio para evitar um ataque da tribo local.
Até que os índios foram condescendentes e isto ocorreu mais de uma semana após o seu acampamento.
Enquanto o marido se embrenhava na mata, levando um pequeno séquito, a jovem esposa permanecia no rancho, preparando a bóia para os desbravadores.
Eis que numa dessas tardes, ela escutou um urro tremendo, que a fez aterrar-se, sem saber o que poderia acontecer.
Relanceou os olhos ao redor de si, e, como esconderijo, só viu uma bruaca (bolsão) de couro, pendurada na viga do teto do rancho.
Não vacilou, e nela se escondeu. Tremendo, no seu esconderijo, sentia os passos do animal que farejava a bruaca, rodou pelo rancho e se retirou. Ela só abandonou seu esconderijo, quando a turma chegou, quase à noitinha.
Os práticos do sertão reconheceram as patas de onça, no chão batido. Isto foi também um grande incentivo para o casalzinho abandonar a vida sertaneja.

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